Não é de hoje que a moda olha para trás, para seu passado secular em busca de inspiração. E não é à toa. Temos pelo menos três mil anos de vestuários documentados seja na escultura, na pintura ou na fotografia, e que trazem em si as mais diversas idéias de como vestir o corpo humano. Nosso corpo físico, que não sofreu modificações radicais nestes mesmos milênios, já fez uso das mais variadas formas, ora cobrindo-se, ora despindo-se, ora enfatizando os ombros, os quadris ou a cintura.
Esse retorno ao passado é tão inesgotável como a análise combinatória. Ao se juntar hoje uma forma antiga com um olhar atual cria-se uma nova possibilidade que pode se tornar no futuro referência para estudar uma época social com valores culturais bem definidos.
Essas inúmeras possibilidades por vezes são traduzidas em pequenos detalhes visuais ou técnicos. Uma prega aqui, um enviesado ali e pronto, encantamo-nos com um modelo desfilado na passarela e com a maestria de seu estilista. Talvez apenas um olhar um pouco mais educado na longa trajetória da moda consiga relacionar o modelo da passarela com sua inspiração. E que palavra ampla essa tal inspiração. Na verdade, tudo pode nos inspirar. Na moda, tudo o que já foi feito, as formas e tecidos que já foram usados, as relações entre o vestir, o corpo e a sociedade, tornam-se constantes fontes de inspiração. Cada estilista usa o seu olhar – fundamentado em seu conhecimento histórico e técnico – para enxergar inusitadas maneiras de construir o novo.
As estátuas da Grécia antiga até hoje nos deslumbram com suas formas perfeitas e suas túnicas que drapeiam suavemente ao redor dos corpos. Alcançar a perfeição estilizada pela arte grega é um desafio que ainda se impõem aos mais capacitados estilistas. Como replicar o envolver sedutor de um corpo, vesti-lo, adorná-lo, exibindo sofisticadamente suas curvas, ressaltando delicadamente o volume do busto, as ondulações do quadril? Madame Grés, francesa nascida em 1903, dedicou muitos anos a esta tarefa. Seus modelos em viés e suas técnicas de drapear conquistadas em experimentações até hoje arrancam suspiros das platéias já que a estilista possibilitou originar fisicamente o estilo e a magia que o vestuário grego conseguiu exibir apenas na arte. E inspirar um grande número de talento.
Figura 1: Mme. Grés. Vestido de jersey de seda fotografado por Louis Faurer para Vogue França 1973 e baixo relevo romano com uma bacante dançante. |
Figura 2: Mme.Grés, anos 1950 |
Figura 3 e 4: Maison Lanvin - Outono Inverno 2011 |
A leveza simples e a sedutora sensualidade que a arte grega nos descreveu seu vestuário tornaram sua forma atemporal. Em inúmeras coleções de moda estas formas retornam, em novos tecidos, com estampas variadas, com detalhes inusitados. A Maison Lanvin apresentou na coleção para o Outono-Inverno 2011-12 vestidos que não só se inspiraram nas formas gregas como utilizaram o aperfeiçoamento técnico de Mme. Grés. Na coleção Primavera-Verão 2011, a marca italiana Versace visitou a cultura grega para desenvolver seus modelos, apresentando silhuetas retilíneas e fortes, inspiradas não só na simplicidade do vestuário grego, mas na força de sua arquitetura e nos adornos geométricos das fachadas. Em 2009 foi a vez de Ricardo Tisci, diretor criativo da Maison Givenchy, utilizar-se de sua hábil engenhosidade para apresentar na coleção Couture Primavera-Verão versões modernas dos trajes gregos, apoiado por uma modelagem sofisticada e o auxílio de um mix inusitado de texturas, como sedas, cetins e correntes.
Figura 5: Versace, Primavera-Verão 2011-10-25 |
Figura 6: Givenchy por Ricardo Tisci, Primavera-Verão 2009 |
Os exemplos são tantos que em 2003 o Costume Institute do Museu Metropolitano de Nova York apresentou a exposição Godess, colocando lado a lado estátuas e pinturas que retratavam as imaginárias deusas gregas e os vestidos inspirados por sua cultura. Se esta exposição acontecesse hoje, oito anos depois, vários outros novos e diferentes modelos seriam, certamente, incluídos.
Por Mariana Faria Tavares Rodrigues